
A Justiça Federal da 1ª Região concedeu, nesta sexta-feira (30), uma liminar que garante o direito de permanência de três famílias rurais que vivem na região de litígio da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, próxima à BR-429, em Rondônia. A decisão, assinada pelo desembargador federal Newton Ramos, suspende as notificações de desocupação emitidas pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e impede qualquer tentativa de remoção até o julgamento definitivo do processo.
Nos últimos dias, ações de desintrusão realizadas por forças federais resultaram na demolição de casas, prédios e fazendas em áreas de São Miguel do Guaporé e Alvorada do Oeste, gerando forte repercussão entre agricultores locais. O pedido de liminar foi apresentado por Benedito Chaves Leitão, Almerinda de Agostini Sartori e Bernardo Sobreira de Oliveira, que afirmam ocupar as terras há quase 40 anos. Segundo os agricultores, a área foi concedida pelo Incra dentro de um programa de colonização rural iniciado em 1984, e o conflito atual decorre de um erro na demarcação geográfica da Terra Indígena, especialmente no ponto conhecido como marco 26. Ao analisar o caso, o magistrado reconheceu que estão presentes os dois requisitos para concessão da tutela de urgência: probabilidade do direito e risco de dano irreparável. Ele destacou que há possibilidade de prejuízos “irreversíveis, não apenas patrimoniais — como perda de lavouras e rebanhos —, mas também de ordem existencial, afetando o direito à moradia e à subsistência dos requerentes”.
De acordo com o desembargador, o processo envolve “elevada complexidade fática e jurídica”, com divergências entre as coordenadas geográficas e os marcos físicos definidos nos decretos que estabeleceram os limites da Terra Indígena e do Parque Nacional dos Pacaás Novos. Uma perícia judicial apontou que o marco 26 estaria deslocado mais de 3,6 quilômetros em relação à posição descrita no decreto de 1991, ainda em vigor. Essa inconsistência, segundo o relator, gera “fundada dúvida sobre a validade do ato de demarcação”, o que justifica a suspensão da desocupação até a decisão final da Turma julgadora. Ele reforçou que a controvérsia não questiona o direito originário das comunidades indígenas, mas apenas a precisão da localização geográfica de um ponto de referência. O magistrado também observou que a própria Funai reconheceu, em nota técnica, que o conflito envolve divergência entre órgãos públicos, já que tanto a fundação quanto o Incra atuaram na mesma região. A Funai admitiu que eventual correção do marco 26 “não reduziria a área indígena, apenas faria um ajuste técnico”.
O Incra, por sua vez, confirmou a existência de uma “zona de segurança” entre os lotes ocupados e a linha divisória do Parque Nacional, o que reforça a dúvida sobre o possível erro na delimitação original. Diante disso, o relator considerou prudente manter as famílias na posse das terras até o julgamento do mérito, para “evitar que uma futura decisão favorável se torne ineficaz com a retirada dos colonos e destruição de suas benfeitorias”. A decisão da Justiça Federal suspende todos os efeitos das notificações de desocupação e determina que Funai e União se abstenham de qualquer ato de turbação ou esbulho possessório contra os agricultores. Além disso, o caso foi encaminhado à Comissão de Soluções Fundiárias do TRF1, conforme a Resolução nº 510/2023 do CNJ, para buscar uma solução conciliatória entre as partes. A liminar foi assinada eletronicamente em 30 de outubro de 2025 e tem cumprimento imediato, com comunicação ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).




